quarta-feira, julho 25, 2007

A transformação da sociedade

por.João Paulo Cuenca

“Desta vez vai ser diferente. Não vai ficar de graça pra eles, não. Que a malandragem aí já passou dos limites. E não dá pra continuar assim, brou! Quando a gente pensa que não dá pra piorar, piora. É tanto escândalo que a gente esquece o de ontem, que fica no lugar do de antes de ontem, até ser trocado pelo de hoje. E geral, geral!, na impunidade. Mas, como eu disse: agora vai ser diferente! Eu vou fazer alguma coisa, que não tá dando mais pra ficar de bobeira. Tá falado, e ninguém vai impedir. Vou levar minha revolta pra frente tá ligado? Neguinho vai ter que ouvir. Vou começar escrevendo uma carta pro GLOBO, lá na sessão dos leitores, que só tem nego sério descascando. Não, pro jornal, não, que os malucos nem vão publicar e, se publicarem, que diferença faz? Melhor escrever um e-mail direto pro deputado...Pro ministro! Lotar a caixa postal do presidente. Encher o saco dos manés-otários. Assim eu protesto pela net e nem preciso sair de casa. Ou quem sabe cobrar o deputado que eu votei e escrever perguntando: qualé porra!? Mas será que eles lê-em? Deve ser a secretária, o acessor. Eles têm uma cabeçada de acessor, deve ser pra isso, né? E, na real, acho que eu esqueci o nome do meu deputado... Então, peraí!, vou comprar um daqueles adesivos escritos “Basta!” e colar no pára-choque do carro do meu pai, porque é assim que eu me sinto, com essa raiva e com esse grito preso na garganta. E no pára-choque, não: no vidro traseiro, que dá pra ver melhor. Imagina se todo mundo colasse esse adesivo no carro... É um começo, mermão. Ou então vou usar uma faixa preta no braço, de luto, que nem os atletas do PAN. Imagina se todo mundo usassse uma.. Melhor ainda, vou botar uma bandeirona do “Basta!” Ou, caraca!, uma bandeirona preta escrita ”Basta!”. Põ, imagina se todo mundo botasse uma na janela... Ia ser a parada. É assim que começa, lesk... A cidade de luto porque a parada tá deprê e esse é o momento da indignação, se liga. E depois eu ainda posso ir num daqueles protestos na praia, deitar na areia e me fingir de morto debaixo do sol pra chamar a atenção da TV, do povo e do governo. E tem aquelas caminhadas em Ipa também, vestindo branco. Geral de branco. Começa assim a transformação da sociedade. Geral de branco... Ou sei lá, a boa ia ser pintar a cara num lance tipo “anos rebeldes” e sair por aí batendo panela com a galera, protestando na escadaria da Assembléia, da Câmara dos Deputados, da Bolsa de Valores... Pra deixar vacilão bolado, assustar os burguesinhos de terno. E pode rolar também de pintar alguma mensagem sinistra nos muros, umas palavras bem de protesto tipo Che Guevara e tal. Podia até juntar a galera do grafite, do hip-hop! Aí chega a rapeize, e depois a gente vai na Cinelândia num daqueles bares toscões beber cerveja de garrafa e fingir intimidade com o garçom. Diz aí, seu Severino! Vê mais uma, meu quirido. E várias gatinhas do movimento estudantil, e pá, e um-dois, tá ligado? Porque ninguém é de ferro, né? Se bobear, tem que ter um relax no protesto que o bagulho é neurótico. E a gente lá, no butecão, fazendo altos planos de dominação na calçada. Pra acabar com tudo isso que tá aí. Porque não tá dando mais pra aguentar tanta falta de vergonha na cara. De hoje não passa, rapá. Tô te falando, lesk... Dessa vez vai ser diferente.” (Texto publicado na Megazine-O Globo, Terça, 24 de junho de 2007. Todos os direitos reservados.)

Getilmente digitado por mim para ser exibido nessa página, sem fins comerciais e sim como forma de discussão e reflexão.


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